Introdução
Com o recente renascimento da temática nórdica na cultura pop, com programas como Vikings, Game of Thrones, ou Last Kingdom, é provável que você já tenha ouvido falar de uma bebida doce e dourada chamada hidromel.
Comumente associado a antigas lendas e grandes eventos da história, o hidromel é uma das bebidas mais antigas da história, feita com mel fermentado que muitas vezes é misturado a ervas e frutas diversas.
Hoje, como o guerreiro e seus Deuses, o hidromel já não é mais prominente quanto costumava ser, mas ainda é apreciado por aqueles que valorizam não apenas a história e as antigas tradições, mas também uma experiência gastronômica refinada, para não dizer um bom hobby artesanal.
Hoje, vamos explorar um pouco da história desta bebida tão emblemática, a mitologia por trás de suas origens, sua história e como você pode produzi-la, seja para seu próprio consumo, ou como o início de um novo negócio.
Bebida dos Deuses
Na Grécia antiga, o hidromel era conhecido pelo nome de “ambrosia”, a substância mágica por trás da imortalidade dos senhores do Olimpo que descia do céu como orvalho e era capaz de conferir uma vida prolongada, saúde perfeita, assim como força e inteligência divinas.
Entretanto, uma das culturas mais famosas pelo seu amor por hidromel era a escandinava, para quem a bebida teria surgido quando os deuses das tribos Aesir e Vanir teriam cuspido em um caldeirão como gesto de paz.
Disto teria nascido o deus Kvasir, que como fruto da paz entre os deuses seria sábio, forte e gentil, o que o tornou muito amado por tanto deuses quanto mortais, que buscavam seus conselhos.
Entretanto, quando Kvasir foi chamado ao mundo inferior pelos anões Fjalar e Galar, que afirmavam perguntas para ele, os dois o mataram e drenaram o seu sangue para um barril e tigelas especiais, criando assim o primeiro hidromel.
Os anões utilizariam a bebida para realizar outras maldades, mas mais tarde a perderiam após a entregarem ao gigante Suttung em troca das próprias vidas quando falharam em usar suas propriedades mágicas contra o mesmo.
Suttung então levaria a bebida para sua morada e a deixaria sob os cuidados de sua filha, Gunlod. Mas Odin vigiava todos estes acontecimentos através de seus corvos e assim, logo que pode, se disfarçou de homem jovem e seduziu Gunlod, convencendo-a a deixá-lo beber o hidromel três vezes.
Com a barriga cheia de hidromel, Odin então se transformou em uma águia e fugiu com a bebida, mas deixou um pouco cair na terra para os mortais que a beberam e se tornaram os primeiros poetas.
Alegria dos Homens
Não é de se admirar que o hidromel tenha um impacto civilizacional tão grande, afinal a bebida é muito mais antiga do que a própria civilização, com os primeiros registros da produção e consumo de hidromel datando de 7000 antes de Cristo.
Acredita-se que a bebida teria sido “descoberta” mais do que “inventada” quando os ancestrais do ser humano moderno, sem muito espaço para carregar diferentes substâncias ao mudar de acampamento, guardaram o mel que haviam coletado no recipiente de água, com o tempo, este mel fermentaria dentro do compartimento, transformando o açúcar em álcool.
Desde então, a bebida teria tido um sucesso sem igual em civilizações que estendem desde a China até a Britânia, tomado não apenas como substância recreativa, mas também como remédio para diversas doenças e claro, como parte de rituais religiosos.
Na Inglaterra medieval era comum misturar hidromel a diferentes ervas para o tratamento desde doenças estomacais até a depressão, de forma que ganharam o nome “Metheglin”, ou “medicina”.
A bebida era vista com tal seriedade que no século 10, o rei Howel o Grande estabeleceu leis que determinavam como o hidromel deveria ser preparado, em especial o hidromel temperado.
Entretanto, com a ascensão do vinho e da cerveja, sua produção e consumo começou a diminuir, retornando apenas recentemente por fatores relacionados aos desenvolvimentos da cultura Pop, como explica Vinicius Molina, sócio e responsável técnico da Arven, uma das empresas pioneiras do hidromel no Brasil.
Vinicius nos contou que o hidromel faz aparições em diversas séries e filmes, como Vikings e Senhor dos Anéis e até mesmo jogos de sucesso como God of War e Skyrim, o que combinado com a própria história do hidromel, como descrevemos acima, criou um produto com forte marketing.
Há também que o hidromel não apresenta uma barreira muito grande para sua apreciação graças à sua grande variedade (sobre a qual falaremos mais adiante) e gosto naturalmente doce.
Isto, é claro, sem falar do fato de que o mel, enquanto matéria-prima, já possui uma alta concentração de açúcar, o que elimina este elemento do processo de fabricação da bebida, tornando-o mais simples e barato.
Trabalho das Abelhas
Falando em produção, a facilidade em fazer hidromel o tornou um hobby amado por muitos apreciadores tanto da boa bebida quanto das histórias associadas a esta mesma, de forma que é muito simples começar sua própria produção em casa.
Entretanto, algo que diferencia o hidromel nesta área é que esta é uma das poucas bebidas cujo início do ciclo de fabricação não se encontra na raça humana, mas sim nas operárias da natureza: as abelhas.
Antes que se possa ter hidromel, é necessário que abelhas façam seu trabalho de conversão do néctar de flores e plantas, tarefa para a qual voam até 5 km de distância, concentrando o açúcar dentro de seus corpos e assim confeccionando o mel.
Entretanto, nem todo mel é igual e existem muitas variantes em cor, sabor e doçura como o mel de laranjeira que deixa o hidromel com um leve aroma de laranja, o mel de trigo-sarraceno que possui um sabor mais forte e o mel de flores silvestres que por ser feito com o néctar de diversas flores é sempre imprevisível.
Vinicius nos conta que o mel escolhido é então misturado com água fervente em um fermentador, é nesta etapa que aditivos como frutas e ervas são adicionados, assim como o composto responsável pelo processo de fermentação: as leveduras.
Leveduras são organismos unicelulares microscópicos, primas próximas dos fungos, que consomem açúcar e produzem álcool como resultado. Existem leveduras específicas para vinhos, cervejas, whisky e claro, hidromel.
Entretanto, é importante notar que nutrições como sais minerais tem de ser adicionadas ao mel para garantir o crescimento das leveduras, algo que ocorre naturalmente na produção das uvas no vinho, ou no trigo da cerveja, mas não com o mel, pois este já é processado primeiro pelas abelhas.
Entretanto, artesãos amadores do hidromel não devem se preocupar demais, pois muitos sachês de levedura já incluem estas nutrições no pacote. Todavia, a Arven e outros fabricantes profissionais fazem suas próprias misturas a fim de ter um produto final mais preciso em relação à sua intenção original.
Como Aproveitar um Bom Hidromel
Este trabalho de homens e abelhas é, em sua causa final, para o nosso deleite e que maneira melhor de demonstrar gratidão por tanto labor do que apreciando o hidromel para notar os frutos deste trabalho?
Por sorte, não há apenas uma maneira de degustar o hidromel, assim como não há apenas um tipo de sabor para a bebida, pelo contrário, existe o hidromel espumante e licoroso, assim como uma miríade de sabores e harmonizações realizadas pelos próprios fabricantes utilizando desde frutas e temperos até a pimenta.
Existem apenas duas orientações que podemos dar para garantir uma experiência agradável do hidromel:
- Não tomá-lo muito gelado, para que assim a água resultante não dilua seu sabor.
- Opte por tomar seu hidromel em uma taça de vinho, uma vez que estas são projetadas para que você sinta o aroma da bebida ao tomá-la.
Uma vez que o hidromel também é uma bebida doce, também podemos recomendar que ele seja harmonizado com comidas apimentadas, queijos ou amargas, como um pudim de café, a fim de que sua doçura seja realçada pelo contraste.
Por último, ao beber tente também notar as complexidades envolvidas no uso deste ou daquele mel. Como se compara o mel floral do outono e o do inverno? E como estes se comparam ao mel de trigo ou laranjeira?
Quanto mais você moldar sua capacidade de responder esta pergunta, melhor poderá se dizer um conhecedor deste rico universo.
Conclusão
Seja como apreciador ou produtor, esperamos que este artigo tenha angariado ao mundo do hidromel um novo habitante, alguém capaz de apreciar não apenas a rica história desta bebida, mas também seu sabor e a simplicidade de sua produção.
Não demorará muito para que o hidromel se torne uma bebida tão amada quanto o vinho ou a cerveja novamente, portanto, você que lê esta matéria tem agora a oportunidade de integrar uma nova vanguarda na indústria.
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